terça-feira, 5 de setembro de 2017

PRIMEIRO DE SETEMBRO ...




Faltam uns minutos breves para as sete horas da manhã. Abro as vidraças da sala de par em par e sento-me confortável a olhar o mar. Um Atlântico de várias tonalidades que o sol lhe empresta, desfila perante os meus olhos ainda pouco despertos. É um mar - chão, que mais se assemelha a uma planície sem fim, habitado aqui e ali por pequenos barcos de pesca.

Sim, navios da faina, porque uns binóculos potentes ajudam a satisfazer quaisquer dúvidas. Estão estáticos nessa paciência milenar de aguardar que as redes tragam o peixe que é o sustento das mãos calejadas que puxam as artes. E ele, o mar sereno, parece compreender este protocolo de sobrevivência, parecendo estático também.

Da varanda onde habita uma brisa fresca, olho a nascente. Há uma bola de fogo que se ergue no céu banhando Portimão, que ao longe aparece como um amontoado de casas incarateristicas, aglomeradas sem critério.

Depois olhar a cidade. Esta cidade. Daqui do alto da Freguesia de São Gonçalo e à medida que a luminosidade se torna mais intensa e esbarra contra o branco das paredes do casario, Lagos acorda da sua letargia. Há uma labuta que recomeça para muitos. 

Fixo os olhos na porta lateral cinco andares abaixo da minha varanda e vejo dezenas de cestos em plástico com bolos e pão acondicionados, que seguem em carrinhas para as muitas pastelarias da cidade. É um correr frenético, com hora marcada.

Porém, igualmente com a organização de quem há muitos anos executa este circuito de distribuição de pão e doçaria. Sem correrias mas atempadamente, as carrinhas vão e voltam para novo carregamento. Para outros, os padeiros no rigor das suas fardas e barretes brancos, é o fim de mais uma noite de trabalho que começou às duas da madrugada. Agora que a missão está cumprida, o corpo reclama cama de tanto esforço e do calor intenso dos fornos de cozedura.

Hoje, primeiro dia do mês de Setembro, a cidade forra-se de calor. Mas tudo está mais sereno. Muitos dos que demandaram esta cidade do barlavento algarvio partiram Alentejo acima, já num suspiro de saudade. Acabaram as praias pejadas de gente. Acabaram os restaurantes das mesas marcadas pelos ansiosos a salivar por um robalo vistoso, que viram entre pedras de gelo numa vitrina apelativa de peixe vindo da lota. 

E até um Dom Sebastião vaidoso, amua por falta de admiradores pendurados de máquina fotográfica a tiracolo. O verão começa a dar sinais de fadiga e, na Marina de Lagos, a lufa – lufa dos barcos turísticos na demanda dos golfinhos abranda significativamente. 

Da esplanada do “Amuras” vou observando todo aquele movimento de gente retardatária ou dos que apostaram em Setembro para férias e que de coletes salva – vidas amarelos, procuram uma aventura de mar. Mas já são menos. Muito menos do que aqueles rebanhos de gente de Julho e Agosto, que disputam um lugar num barco de recreio, como num qualquer restaurante se acotovelam por uma mesa para beber sofregamente um jarro de vinho branco bem fresco e comer uma travessa atafulhada de apetitosas sardinhas.

Com a debandada, a cidade de Lagos reconcilia-se consigo própria. Abraça os seus habitantes de gema e rejubila dos seus heróis históricos. E eu, resistindo à chamada coimbrã, também teimo em ainda por aqui ficar, quando os outros veraneantes já partiram. Porque sei que Lagos no seu inventário de afetos, percebe que eu sou num universo de quase seis décadas, uma espécie de filho pródigo que vai e volta. E por isso, com desvelo, também me abraça carinhosamente como se eu fosse um seu dileto filho. Um filho gerado pelas marés. Um filho emprestado pelo mar.
Quito Pereira  
        

4 comentários:

  1. O Quito esteve cá de manhã pelo Samambaia! Quem o disse? Sabes bem quem foi!
    Quem havia de ser!
    Deves ter madrugado para levar pão fresco para o café da manhã.
    Cheguei às 11HOO à pastelaria.
    Sempre pensei em lá te encontrar...mas desta vez preferistes não deixar arrefecer o pão para o barrar com manteiga!
    OK! Tudo bem!
    Mais logo não vais faltar ao bate-papo para contares mais alguma coisa do bem bom da estadia em Lagos.
    A primeira parte já li e gostei!
    Já se sabia que o dia 1 de Setembro por todas as praias trás a debandada dos turistas de verão.
    Este ano quiseste comprovar se ainda era assim e por lá continuaste mais 2 ou 3 dias de Setembro. Fizeste bem. Concluíste que foi o mesmo de outros anos!Claro e o regresso foi mais calmo!
    E foi óptimo abrir o computador e encontrar esta postagem. Estava a pensar o que vinha eu aqui meter...É que os assuntos cada vez são mais raros!Desta vez safei-me!
    Obriga

    ResponderEliminar
  2. Então agora que há menos gente, menos barulho, menos empurrões, menos bichas (filas para os brasileiros), mais lugares de estacionamento, mais lugares nos restaurantes é que tu vens embora!!!... Não te percebo!... Viste os pescadores da tua janela e nem foste à lota ver o que trouxeram! Com os binóculos até podias escolher o peixe da tua janela e depois era só esperar pelos barcos.
    Bom regresso! Cá vos esperamos.

    ResponderEliminar