segunda-feira, 11 de março de 2013

ENCONTRO COM A ARTE

CONTOS
                                  da
                                   DAISY

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Era uma vez…
E a menina sentava-se no banco do jardim e ficava a olhar para o céu, a tentar recordar. Havia uma história que começava assim. Mas não começavam assim todas as histórias?
— Isabel, conta-me a história do "Era uma vez"…
E a Isabel contava… uma história… não era a sua história. Ninguém a sabia. Nem a Isabel, nem a avó, nem o tio, nem a tia. Era uma história muito bonita, ela lembrava-se disso. Mas ninguém a sabia.
— Todas as histórias para crianças começam assim, querida…
— Todas? Mas aquela é diferente. A tua não soa bem…
— Não soa bem?
— Não.
— Não tenho jeito para contar histórias…
— Pois não…
E a tia ia-se embora, cada vez mais desiludida e com a ideia de que, à pequenita, lhe estavam a fazer mal os ares da cidade.
E a menina continuava a sonhar. Era tão triste ninguém saber aquela história! Porque ela lembrava-se que era muito, muito bonita. E ela ouvira-a. Disso, tinha a certeza. Mas não era capaz de se lembrar de mais nada.
— Era uma vez. Era uma vez…
— Lá em casa havia uma senhora. Havia uma senhora… Havia uma senhora…
— Tia, lá em casa havia alguma senhora?
— Uma senhora? Quando?
— Ontem… não… há muito tempo.
— Havia. Havia. Havia uma senhora. Ela tinha a certeza.
— Era a tua mãe, querida…
— E porque é que eu não estou lá para estar ao pé da minha mãe?
Então… a mãe foi para o céu…
— Pois foi. A mãe foi para o céu.

E o pai está doente. O pai já está há muito tempo doente. E por isso ela estava ali.
— Era uma vez…
Mas porque é que ela não se lembrava daquela história?
O pai vinha buscá-la. Já estava bom e ia lavá-la para junto dele. Havia muito tempo que não via o paizinho. Desde que estava com os tios, só o vira umas três ou quatro vezes. E esteve tanto tempo com os tios… Tanto tempo… E o pai estava diferente. Parecia velho. Tinha o cabelo todo branco e estava muito pálido. Ele achou-a muito bonita.
Lá em cima estava tudo na mesma. Estava.
— Pai, conta-me a história  do "era uma vez"…
— Todas as histórias começam assim, filha…
— Não, só a minha.
O pai sentou-a nos joelhos como fazia quando ela era mais pequenina, acariciou-lhe os cabelos e começou:
Era uma vez…
Era a sua história. Era aquela história. E, sùbitamente viu a mãezinha entrar na sala, muito branca, os olhos a brilhar muito, a cair, no chão, sem um "ai". De novo o pai pegou nela e a sentou no sofá e correu para a mãe, a gritar, a gritar, a gritar!
Ana, que tens, minha filha?
Era aquela história. Era. Era a história bonita que a mãe interrompera.
Era uma vez…
   

22 de Janeiro de 1970

9 comentários:

  1. Era uma vez...
    Assim começam, invariavelmente, as narrativas que os adultos fazem às crianças.
    Para eles adultos, as histórias, sendo diferentes, parecem-lhes todas iguais.
    Para as crianças, contudo, cada uma é diferente da outra, cada uma marca-as de forma peculiar e individualizada.
    Mais do que a história em si mesma, o que conta para elas são as circunstâncias, a envolvente, o momento em que são contadas.
    Podem começar todas por "Era uma vez", mas cada uma delas é única e inconfundivel...

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    1. Era uma vez.., todas as histórias boas ou más começam mas eu só de te ver aqui sinto que o amigo Felício está cá para nos deliciar com a sua presença e a seu tempo a sua escrita que também leio.
      Um abração
      Fernando AZENHA

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  2. Era uma vez...é mais um dos excelentes contos que a Daisy escreveu e que tenho o previlégio de publicar no blog.
    E desta vez com a nova foto que a Daisy tirou ao Castelão durante o almoço dos domingos, desta vez no Pompeu dos Frangos.
    Obrigado Daisy!

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  3. Era uma vez.., são todas assim mas esta seduziu-me e lia até ao fim-
    Gostei.
    Beijinhos
    Fernando Azenha

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  4. O mundo das crianças, tem tanto de linear como de complexo.
    Era uma vez ... pode ser o principio de todos os sonhos construídos na mente de uma criança. Recordo aqui a menina de capuz vermelho e de um lobo matreiro que personaliza o mal. Mas tudo acabou em bem, com uma mensagem subjacente do "pecado" da desobediência. Afinal, a componente didática de uma história.
    Há, porém, outras histórias de contornos reais, muitas vezes dramáticos, que se arrastam desde a meninice pela vida fora num trauma sem fim.
    Era uma vez ...assim disse a Daysi com a sua forma peculiar de escrever. E nós lemos, como sempre, com agrado.
    Um abraço para a Daisy e Alfredo

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  5. A minha avó a contar-me as histórias,sentada no seu colo( era tão bom o seu colinho!)assim começava as suas histórias... e eu sempre lhe perguntando " e depois,avó? E como foi? Então não o castigaram?" Sim,repondia ela mas para o ensinar a não fazer outra vez disparates...E de novo,era uma vez...
    Daisy,obrigada.Senti que eras a minha avó! Dá-me a tua benção avó Daisy!
    Até à próxima história!

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  6. Reli a tua história e era mesmo esta, aquela que eu já tinha lido, igualzinha.
    É sempre um prazer ler os teus contos, Daisy!

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  7. Era uma vez ... uma jovem que escreveu contos maravilhosos tendo por tema central a criança.
    Um grande beijinho, Daisy.

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