sexta-feira, 20 de julho de 2012

OS CAMINHOS DO SUL ...


Alentejo ...
São dez horas da manhã, deste dia radioso. Ao volante do meu carro, há muito que deixei a fria e impessoal autoestrada, para rumar ao sul de Portugal. Agora, que o sol já vai alto, inundando a planície de uma claridade abrangente, vou percorrendo o Alentejo, na procura dos silêncios que anseio. Dos silêncios vertidos num tempo sem Tempo, que só o Alentejo pode oferecer ao caminhante. Desta solidão feita de campos de girassóis, azinheiras e sobreirais. Também da solidão feita de pequenas povoações alvas, dispersas pela planície e do sussurrar de uma brisa quente, que vai afagando a melancolia da campina. Aqui e ali, muitos ninhos de cegonha. Imóveis, olham-me dos ninhos com a mesma indiferença dos dias que passam, no rolar de um Tempo sem fim. Sem dar por isso, entro em Ponte de Sor. Àquela hora da manhã, é grande a azáfama, na avenida principal. Uma feira de velharias percorre o passeio longo e os potenciais compradores de relíquias, afadigam-se de volta da mercadoria exposta. Continuo a marcha, que a jornada é longa. Para trás, ficou o imponente Castelo de Belver e a Barragem do Maranhão, que a minha companheira de aventura e solidão, fez questão de visitar. Por uma estrada estreita, descemos até ao rio. E ali, naquele templo de silêncio, apenas as canoas de proa erguida de um clube náutico, de feitio bizarro, fazem lembrar-me os livros de banda desenhada da minha infância. E, ao longe, por entre uma cortina de calor, vislumbro uma herdade. É visível o gado nas pastagens, naquela manta de retalhos de um verde desmaiado e o castanho austero da terra mártir e ressequida. Maquinalmente, continuo ao volante, absorto nos meus pensamentos. Lembro agora Pavia. Ali, naquele lugar, quando parei junto a um semáforo dando prioridade a uma mulher idosa, aconteceu o imprevisto. A Senhora, com uma cesta na mão, dirigiu-se ao carro, perguntou-nos se a nossa família estava bem e desejou felicidades. De mão na mão, falámos num breve momento. Trocámos uma saudação e não deixei de meditar, por largos quilómetros, naquela mulher que se cruzou connosco nos caminhos da vida, por instantes. Foi como que uma girândola mágica de afetos e de partilha, com alguém que nunca tínhamos visto e que, com toda a probabilidade, jamais voltaremos a ver. Agora que a indiferença da aldeia global, vai reduzindo as pessoas a simples números, numa contabilidade sórdida de deve e haver, aquele sentir alentejano foi como que uma espécie de água fresca que nos refrescou a mente e a alma. É quase uma da tarde e cruzo-me com a placa branca que indica a vila do Torrão. Estaciono o carro junto a um restaurante, na berma da estrada. O nome é, no mínimo, estranho. Chama-se “Afluente do Sado”. Espreito para a sala, quase na penumbra, na defesa do calor inclemente. É um recinto grande, com algumas mesas dispersas. Numa delas, quatro alentejanos, com o seu sotaque bem vincado, vão meditando em voz alta, nas coisas sérias da vida. Enquanto vamos almoçando, a minha atenção, centra-se na conversa deles. Por entre o retinir dos talheres, vão discutindo política e percebe-se que a filosofia reinante, não é vista pelos compadres, em muitas boas Graças. E até foi pretexto para falar do curso de um ministro sem curso. E de um convento lá da zona, património nacional, a cair em ruínas. Entretanto, naquela sua franqueza a roçar a ingenuidade, de quem está habituado a andar pelas arribas da Vida, como quem percorre as retas da planície que os viu nascer, sempre nos foram dizendo que escolhemos mal o almoço. Ensopado de borrego é que era a boa aposta – dizem - enquanto vão molhando o pão no caldo fumegante e espesso da caçarola de barro negro. Realmente, o cheiro era sublime e nem houve sequer coragem para contestar. De novo na estrada, atravessámos o Torrão, ao pino do calor. Uma vila deserta, de janelas corridas e portões fechados. Um hiato no Tempo. Um mistério. Ferreira do Alentejo e Aljustrel, perfilaram-se perante nós, saudando-nos nesta rota do Sul. Depois, nova incursão pela autoestrada e na correria desenfreada dos veraneantes em direção ao Algarve do mar azul. Afinal, aquela parte do Alentejo que sucumbiu aos ventos da dita civilização. O ruido das buzinas dos carros, substituiu o cantar das cigarras. O silêncio dos sobreirais, caiu perante a ditadura fulminante do alcatrão.
E eu aqui, nesta varanda, a percorrer com um olhar errante, a grandeza de um oceano brando, de cor azul - turquesa. A recordar o velho Cesário e o António Maluco, heróis reais de épocas de antanho, desta cidade de navegadores.
E também convosco, a desfiar este rosário das minhas mais frescas mas também mais remotas memórias.
Quito Pereira              

 

15 comentários:

  1. António Maluco
    selecionar tudo e ir para
    http://encontrogeracoesbnm.blogspot.pt/2012/05/o-antonio-maluco_5523.html

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  2. Viagem descrita com tal intensidade de histórias e memórias que me sinto "invejosa"....
    Em Ponte de Sôr não visitaste a Romicas,a nossa amiga que faz parte da nossa memória presente?
    Boas férias,bons banhos,boas petiscadas,boas sestas....e etc e tal!
    Beijinhos

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    1. Pois, Olinda, parece que não.
      Fiquei com tanta pena...

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  3. Aqui, no meu jardinzito, leio encantada o relato de mais uma viagem do Quito e da São.
    Percorri todos os quilómetros até ao Algarve, mas não saboreei o borrego que deveria saber muito bem.
    Mas gostei muito da senhora que gentilmente vos cumprimentou perguntando pela família! Uma ternura que focaste na tua escrita!
    Boas férias.

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  4. Mais uma boa Prosa.
    Férias com pinta para todos.
    Tonito.

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  5. Gostei deste teu roteiro pelas terras do sul.
    Antigamente, digo bem antigamente também a caminho do Algarve percorríamos estas terras, percurso que normalmente fazíamos no mesmo dia.Uma dormida em Alcácer do Sal.
    Quanto a mim também ía no ensopado de borrego!

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    1. Eu costumava dormir em Grândola.
      Tendências...
      Mas isso foi no século passado em que não havia nenhuma auto-estrada a atravessar a Serra do Caldeirão.
      Que saudades que eu tenho dessas viagens tão chatas!...

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  6. Claro e BOAS FÉRIAS para ti e para a tua companheira da aventura e solidão!
    SÃO... férias e que
    DEUS as abençoe!

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  7. E lá vai o Quito, calcorreando quilómetros, saboreando o que a natureza lhe oferece mas também aproveitando os contactos humanos que tanto preza.
    Destino? Não diz mas atrevo-me a tentar adivinhar que, desta vez, é Lagos que o espera. Depois de Coimbra e do seu Choupal, parece-me ser a sua maior paixão. Salgueiro do Campo também faz parte da rota da sua vida mas... Coimbra e Lagos, não é verdade?
    Como sempre, conseguiste sentar-me no teu carro, atrás de ti e da tua grande companheira São Vaz, para me ofereces um belo passeio.
    Pena, para mim, que a viagem de volta tenha sido imediata...
    Boas férias, queridos amigos. Aproveitem tudo quanto possível. Tudo de bom, já se vê...

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  8. Assim até é fácil fazer quilómetros de carro!...
    Tem cuidado, não em Pavia, mas há lugares onde ao parares num semáforo e alguém se aproximar, não é para te cumprimentar, é para te assaltar ou, na melhor das hipóteses, para te pedir dinheiro!...
    Boas Férias!

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  9. Olá Quito!...adorava ter a inspiração necessária para deixar aqui palavras que podessem fazer companhia a esta tua bela "música"...mas o momento não é famoso...e assim dir-te-ei que é sempre um prazer ler tudo o que escreves! Abraço e um beijo para a "pendura" que vai ao teu lado nesse teu "Caminhos do Sul"!!! Boas férias!

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  10. maria helena morgadojulho 21, 2012 4:04 da tarde

    Bela imagem bem caraterística!
    Não perdeste tempo, fizeste logo o dário de bordo! Como dizia o Viana, parece que íamos no banco de trás apreciando tudo o que nos ias mostrando. Parabéns e continua a fazer o diário e a partilhar.
    Boas férias e beijinhos para ambos

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  11. Este Alentejo profundo de paisagens do largos horizontes e gentes hospitaleiras de vida sofrida perdeu-se ao olhar impaciente do automobilista que corre na auto estrada.
    Vale-nos a descrição do Quito que nos faz lembrar que no meio das searas e dos montados há pequenas povoações, há pessoas que vivem, envelhecidas, muitas já desiludidas das esperanças que um dia lhes povoaram os sonhos.
    Vale a pena viajar pelos caminhos do Alentejo,sem pressas, longe da fita de alcatrão que tudo desumanizou...

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  12. Será possível, Quito e São, que tenham passado em Ponte de Sor e não tenham dito nada? Se calhar até andaria no meio de todas aquelas velharias...
    Que pena!! Seria tão bom apanhar-vos aqui e tomar um cafézinho com os meus amigos de Coimbra. Espero que, no regresso, digam qualquer coisa!
    Desejo-vos boas férias e mando beijinhos para ti, Quito, e para a São.

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  13. Amigos Romicas e Rafael
    Impossível passar em Ponte de Sor e não nos lembrar-mos de vós. Só não o fizemos, pelo facto de serem apenas dez horas da manhã e poderiam estar ainda a descansar. Não queriamos incomodar-vos tão cedo. Mas a tentação foi grande ...
    Porém, há mais marés que marinheiros, e quando menos contarem ...toca o telefone.
    Um abraço nosso para ambos

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