sexta-feira, 13 de julho de 2012

O MAJOR ALVEGA ...



Óh pá, o gajo não os tem "bem medidos" ...
As palavras são como as cerejas. Por causa de uma aventura do Zé Leitão, a voar numa caranguejola com mais de 5O anos de uso, lembrei-me do meu baptismo de voo … de helicóptero. Foi há muitos anos. Recordo a pista de aviação da Lousã, onde os pequenos aviões de combate a incêndios florestais estavam – e creio que ainda estão – estacionados. Também um ou dois helicópteros que, durante o dia, patrulhavam a região à procura de focos de incêndio. E foi num Sábado, pleno de sol, que ali me desloquei a convite do Engenheiro Florestal, Delfim Portugal. Ele era, na época, um dos responsáveis pela logística do aeródromo, e sendo eu funcionário dos Serviços Florestais, decidi aceitar a sugestão. Por volta das duas da tarde, o meu amigo fez-me um desafio: dar uma volta de helicóptero. Acedi, incapaz de cometer a indelicadeza de lhe dizer que não. Porém, na minha face, estava espelhado o meu indisfarçável pânico. O Delfim tranquilizou-me então, e, com uma palmada nas costas, foi-me dizendo: “…está descansado Quito, vamos com o melhor piloto cá da base…até o tratam por Major Alvega…”. Fiz um sorriso pardo e esperei para entrar no pequeno “Alouette” amarelo de três lugares, todo envidraçado na frente, com uma magnífica vista para o abismo. Aguardava a chegada do fenomenal piloto, cheio de condecorações ao peito. E realmente chegou. Mas não trazia condecoração nenhuma !!!. Apenas uma “t-shirt” vermelha desbotada, uns “jeans” cortados pelos joelhos às franjas, um óculos – de - sol da Feira do Espírito Santo, nos Olivais e ainda um boné com a pala virada para a nuca. Completava o quadro, uma barba rala e uma cara de miúdo. Não teria mais de 23 anos, acredito. Quando o vi ao longe dirigir-se para a geringonça voadora, engoli em seco e disse ao Delfim: “… óh pá, aquele gajo é que é o Alvega ?!...”. E acrescentei: “ … o tipo tem ar de quem não os tem “bem medidos”… ”. O bom do Delfim, com o seu bigode louro e a sorrir, deu-me então uma resposta devastadora, que ainda hoje trago nos ouvidos: “… pois Quito, para fazer este trabalho de “rapar” pinheiros e “picar” sobre incêndios, é preciso ter uma grande dose de loucura …” . Às duas por três, estávamos sentados no heli. Com as pás a trabalhar em ritmo cada vez mais frenético, ouvi pelo intercomunicador o Alvega perguntar ao Delfim: “…o teu amigo é cardíaco? …”. O engenheiro respondeu: “…acho que não, porquê? …”… “ … está tão pálido...” - dizia o valoroso piloto, não muito certo da minha bravura. A viagem foi agradável, até ao momento em que o Alvega recebeu uma mensagem urgente.  Havia um incêndio na zona de S. Martinho da Cortiça. E para lá fomos, a todo o gás. Os pequenos aviões de lançar a calda retardante já lá andavam, e gerou-se ali um carrossel aéreo que me deixou aterrado. Passavam por cima e por baixo do heli, e eu de olhos arregalados a ver quando nos estampávamos no ar. Fartei-me de rezar, com convicção. A verdade, é que o pequeno fogacho rapidamente foi debelado e voltámos ao prazer de desfrutar da paisagem. Longe estava eu de pensar que o melhor estava para vir. Melhor dizendo: o pior. Dirigiu-se então para a Vila de Côja  e, de repente, começou a voar como se fosse em Rali, aos “peões” à volta da torre da Igreja. Apurei a vista e vi num terraço uma mulher vestida de vermelho, que acenava entusiasticamente. Lancei um olhar ao Delfim, e percebi pelos seus lábios que estava decifrado o mistério: era a namorada do Alvega, uma rapariga que ele tinha conhecido na sua estadia pela zona. Por muitos minutos, o nosso intrépido piloto foi fazendo piruetas com o heli, para impressionar a princesa. A mim também me impressionou. E muito !!! Quase fiquei gago com o susto !!! O Delfim mantinha-se sereno. Parecia que não era nada com ele.
Quando aterrámos na Lousã, só por vergonha, não fiz o que costumava ver fazer um  simpático e carismático Papa falecido,  quando saía de um avião: ajoelhar-se e beijar o chão. Se calhar - tal como eu - não muito certo de uma total Protecção Divina …
Quito Pereira      


11 comentários:

  1. Leio a descrição desta aventura e não consigo deixar de recordar uma outra semelhante que aconteceu comigo na Guiné, como o meu amigo Jorge Felix aos comandos de um Alouette III semelhante àquele que o Quito refere.
    Com a diferença que nessa altura eu já tinha viajado várias vezes de helicóptero. Já me sentia um expert na matéria, pelo que não me amedrontavam as peripécias do meu amigo piloto.
    As piruetas foram muitas por cima da casa das Marietes, duas irmãs lindissimas filhas de um comerciante libanês de Bafatá, a cujo café/restaurante iamos sempre que podiamos.
    Para comer, beber e vê-las. Sobretudo para as ver...

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  2. O relato do Quito contém tal realismo que consigo imaginar-me sentado a seu lado no helicóptero a vislumbrar pelo canto do olho os seus lábios a rezar em silêncio...

    Obrigado por trazeres ao blog esta lufada de ar fresco, estas reminiscências de situações que nos identificam e nos transportam a todos para episódios marcantes das nossas vidas.

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  3. Apesar de jocoso, este texto é uma homenagem a todos os pilotos da Base da Lousã. Especialmente, os das avionetas da calda retardante. Trabalho perigoso e que, na Lousã, por duas vezes, que me lembre, acabou tragicamente. São alguns dos heróis anónimos deste nosso Portugal ...

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  4. Vá lá! Não vomitares para cima do piloto!!!... Até que para merdoso, te portaste muito bem!...
    Eu estou aqui a armar, mas no teu lugar ficava tão acagaçado como tu, só não rezava...

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  5. Ai rezavas, Alfredo ...garanto-te que rezavas ...nem que fosse ao Buda ...

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  6. Chiça,penico!!!...Como te compreendo!
    Aterrorizado demais que nem "apreciaste" a linda namorada do Alvega...ou ainda deu para isso? E que tal?
    ahahahahah...

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  7. As rezas resultam sempre para quem sabe rezar.
    Boa prosa.
    Tonito.

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  8. É isso Quito.
    Um Alvega é sempre um Alvega.
    Mas tu limitas-te a ser um pobre pecador...
    Um abraço.

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  9. Realmente as conversas são como as cerejas! Mas vou ser breve. A caranguejola de que o Quito fala é um Cheroquee de 1960...estacionado no Aerodromo Bissaya Barreto em Cernache! Num slideshow que já aqui apresentei, fiz uma pequena descrição daquela pequena "máquina voadora". O Alvega que me levou...e me "obrigou" a pegar nos comandos tem 21 anos...e ambiciona ser "piloto comercial"! Está(va) agendado um voo até Cascais...mas atendendo a algumas "turbolências" lá para os lados de Tires...resolvi adiar este 2ºvoo! Mas que é um fascínio, mesmo para quem fique com o rosto cor de cera, lá isso é! Assim como ássim,os Allouette III do tempo da "guerra" inspiravam mais confiança, dada a sua imponência mascarada de "camuflado"! Fui evacuado num "Cesna" amarelo de um piloto que dava pelo nome de Quinacho Pires (familiar da Anabela) que morou na Rua de Moçambique e agora vive no Algarve! E "louco" era este piloto, que para me impressionar, picava a pequena avioneta sobre os "morros"...onde existiam "bases do IN". Pareciam ratos a fugir para todos os lados...mas as asas tinham um furos, que felizmente nunca atingiam os depósitos!!! Os ditos furos eram "marcados" a vermelho (maluqueira do piloto?)...Enfim a aventura do Quito, fez-me recordar também o "desprezo pela vida"...que ainda não desapareceu! E para finalizar, sobrevoar New York de heli...é coisa de "outro mundo"!? O 1º helitour que fiz...tinham passados 15 dias de um brutal acidente, com 5 turistas italianos, num Heli identico ao que me levou a tanta "adrenalina". Mesmo à minha frente no Hudson River...uma avioneta "cortou" a "pá" do Heli e vieram....a pique, mergulhando no Rio!!! Repeti a "experiencia"...um ano depois, para aperfeiçoar...as filmagens!!! Ganda Quito! Toma lá um abraço.

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  10. Grandes Alvegas!Divirtam-se mas a mim não me apanham nessas aventuras!!!
    Há anos numas das "Geminações" penso com a Noruega(não tenho a certeza se foi neste país),estava no programa um voo de avioneta!!!
    Claro que disse nem pensar!
    Nesta oposição a viajar na caranguejola era só eu e a Isabel Neves!!
    Foram todos 20 e tal...Envergonharam-nos de la forma que lá arranjamos coragem e fomos também!
    Dizem que a paisagem era linda vista lá de cima!!! Acredito!Mas não vi paisagem nenhuma...queria era que aquele pesadelo acabasse rápido!
    Cheguei ao solo "torcidinho" que nem uma rosca!
    Voai, voai...que vos faça bom proveito!
    Em Tires só numa semana vieram parar cá abaixo 2!!!!
    Voai, Voai!
    Faz-me lembrar os "miscaros"!!!!

    Comei, comei!

    Tenho dito seus Alvegas"Divirtam-se!

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  11. O "Major Alvega" quando pergunta “…o teu amigo é cardíaco? …”, logo terá prometido, a si próprio, que não perderia a oportunidade de pregar um "cagaço" ao indefeso e assustado passageiro. Serviu-lhe de pretexto a mulher vestida de vermelho mas, não fosse ela, qualquer outro lhe serviria.
    Os pilotos gostam disso! Todos eles, salvaguardando alguma honrosa excepção, não resistem ao exibicionismo e ao alarde das suas qualidades de bons pilotos.
    Na Força Aérea conheci alguns e havia uma "boca" que era assim: os nossos pilotos são todos muito bons porque os maus já morreram...
    Recordo-me bem do meu baptismo de voou, num Junkers 88, da base da Ota para a de Monte Real. Menos de meia hora que correspondeu a uma eternidade no meu sistema nervoso. No meu e no de todos os 20 "maçaricos" que foram obrigados a fazer essa viagem.
    Bem preferia ter ido a pé...
    Ao contrário do Quito, não rezei e limitei-me a insultar o piloto e a mãe dele. Mentalmente, já se vê...

    Quito,
    Adorei este teu texto que, pelo realismo com que são relatados os factos, me remeteram de imediato para as minhas memórias.
    Consegues descrever com muito humor um momento ao qual, na altura, não achaste grande piada...
    Gostei muito.
    Aquele abraço.

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