sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A MISSÃO ...

O ofício de carpinteiro ...

São pálidas, estas tardes de fim de outono. Ora chovendo, ora mostrando um sol envergonhado, que vai dourando os campos, empapados da água generosa que alimenta os poços ressequidos. Lá em baixo, junto ao pontão do Chão da Vã, a ribeira cristalina vai saltitando entre pedras e pequenas fragas, lambendo as margens da aldeia, como o cão fagueiro que roça o dorso pelas pernas do dono. O seu cantar milenar, é um hino triunfal. O renascer da cor nas hortas, desmaiadas pela canícula. A frescura e o cheiro da terra plena de vigor, que nos apura os sentidos na procura das coisas mais simples e mais essenciais à vida. O tributo de cada chão, sitiado entre muros de pedra granítica, a quem o vai afagando com um arado e lhe revolve as entranhas musculadas.
Mas é um estranho drama este, o da Natureza! Enquanto as pequenas courelas, plenas de vitalidade, cantam louvores à generosidade dos céus, as árvores de folha - caduca vão gemendo o seu fado secular. Debruçam-se sobre a estrada à minha passagem e a aragem gélida que percorre a já sua parca folhagem, é como um lamento ao remar dos dias curtos e cinzentos. O suspirar por uma primavera ainda longínqua, que traga os dias clamorosos de sol e claridade e as noites mornas e cintilantes de estrelas, tudo embrulhado numa fantasia de acordes e de silêncios, nesse palco imenso em que tem a primazia o clamor uníssono do cantar das cigarras.
Mas, é nestas tardes agrestes, que mais sinto a vulnerabilidade da vida. O silêncio convida à meditação. O conseguir destrinçar o essencial, do acessório. De saber que a morte não é irremediável. Apenas o é para nós, os simples mortais. Porque o Tempo – esse – é imortal. Também as courelas, que passam de mão em mão, de geração em geração, reclamam o seu estatuto de imortalidade. Que a cada Árvore sucederá outra Árvore. Mas a cada Homem não sucederá outro Homem. Cada Homem, parte para a vida como para uma corrida de fundo, onde deveria cumprir uma missão. A missão da solidariedade fraterna, de se dignificar pelo trabalho em prol de si próprio e dos outros, nesta curta etapa da existência. Mas somos imperfeitos. Alguns de nós, porém, simples anónimos, também se vão da lei da morte libertando. Pelas suas vidas transparentes de candura, de honestidade e de trabalho, na comunidade em que estavam inseridos.
Meditei nisto ontem, quando fui ao Lar cá da aldeia e vi a cadeira do carpinteiro vazia.
Q.P.

28 comentários:

  1. “Conseguir destrinçar o essencial do acessório”, disse o Quito.

    Só aqueles que sabem fazer essa distinção se libertam da Lei da Morte, digo-o eu.

    Porque as roupagens, os convencionalismos, os ocos panegíricos, o vazio de ideias, o auto elogio, desprezam a substância, a meditação, o pensamento, o âmago das coisas.
    Quem iria reparar, e sobre o seu significado meditar, na cadeira vazia do carpinteiro, senão alguém que pensa, sente e medita, senão o Quito?
    Quem iria, a partir desse mote, desenvolver a observação do Tempo e das Coisas que nos passam despercebidas, senão o Quito?
    Quem iria deixar aos actuais e aos vindouros, para sempre, depois de transcorrido o seu Tempo, as suas reflexões, escritas de tal forma, senão o Quito?

    Porque isso é a substância, digo-o eu.

    Parabéns meu amigo!

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  2. Um comentário do Rui, excelente, para um texto do Quito, igualmente excelente!...
    Bem hajam! Abraço...

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    1. Sem dúvida, Alfredo.
      O comentário do Rui Felício é uma reflexão à reflexão do Quito, complementando-a.
      Como dizes, ambas excelentes.

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    2. Desculpa Quito de só hoje comentar o teu texto mas, como parece já uma vez referi, deixo para hora de maior sossego a oportunidade de ler o que sei valer a pena. E tu, és sempre um amigo que sei que escreve e bem.
      Esta tua reflexão é digna de uma antologia.
      Depois do que o Rui Felício escreveu já nada mais há a acrescentar, está tudo dito e bem.
      Um abraço.

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    3. Desculpa, Abílio ? De quê?. Não é por se comentar ou não comentar, que esta amizade de tantos anos não perdura ...
      Agradeço-te a colaboração e as palavras. Talvez amanhã, domingo,possamos dar aquele abraço no "escritório".
      Um abraço também para a Zeca ....

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  3. Excelente texto na continuação dos que tens escrito!
    O retrato da realidade e do caminho que o destino não perdoa!
    Relembro aqui também o meu tio Manuel que foi carpinteiro e como eu adorava, enquanto ainda criança, visitar a sua oficina!

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    1. Obrigado, Castelão. Agora paga-me as ajudas custo ....

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  4. Magnífico!
    E o «Jornal do Fundão» a perder estas pérolas...
    Mandei-lhes um e-mail na semana passada:
    "Como podem verificar pelos e-mails abaixo transcritos, desde Agosto do ano passado que tenho enviado mensagens para a vossa redacção com textos de um amigo meu, por considerar serem merecedores de publicação no «Jornal do Fundão». Pedi-vos insistentemente uma opinião mas nunca me responderam. Que não tenham a mesma opinião que eu, respeito. Mas que não me respondam, acho inaceitável.
    Neste momento, recebi o aviso de renovação da assinatura do vosso jornal. Pela primeira vez em 51 anos (a minha idade) não sei se deva renovar a assinatura do «Jornal do Fundão», que sempre me lembro de existir em minha casa, pois o meu Pai (Rogério Moura) foi durante muitos anos vosso correspondente em Caria e, desde que vim viver para Coimbra, há muitos anos, continuei a assinar o jornal. Mas agora, não sei se me apetece renovar a assinatura de um jornal que me deixa a "falar para o boneco"...
    O que acham que eu devo fazer?"

    A resposta deles foi:
    "Da parte das assinaturas não tivemos conhecimento do assunto.Por parte da redacção poderá ter havido algum erro de recepção.
    Este e-mail vamos reencaminhá-lo para o nosso Director Editorial.
    Fazemos votos que continue na nossa companhia e apresentamos os melhores cumprimentos"

    Vou insistir.

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    1. Isso era quando o Jornal do Fundão era mesmo só lá das fraldas da serra!!

      Agora... Grupo Joaquim de Olveira:

      Com a aquisição do Lusomundo, o Grupo Controlinveste obteve o controlo dos seguintes jornais diários: Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24horas e Açoriano Oriental, bem como a estação de rádio TSF. Nos títulos não diários, o Grupo Controlinveste é também o detentor do semanário regional Jornal do Fundão e das revistas mensais Evasões e Volta ao Mundo. A gráfica Naveprinter, participações na VASP, Agência Lusa, Diário de Notícias da Madeira e ainda uma participação de 50% da Gráfica Funchalense, fazem também parte do Grupo Controlinveste.

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    2. Mas a gestão continua a ser familiar. O actual director, Fernando Paulouro, certamente não se recordará mas já tive uma reunião no JF, com o saudoso António Paulouro, em que ele esteve presente.

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    3. São Rosas nunca desiludes!
      A tua opinião sobre os textos do Quito correspondem ao que penso e a tua tomada de posição é exemplar...as mulheres são assim!
      Ando preguiçosa (e não só...) para fazer comentários mas tenho lido os escritos dos nossos amigos e outras postagens.
      Desculpem lá...mas tenho muita sensibilidade e afecto por todos!
      Não sou como aquele PR que diz que as pensões não lhe chegam para as despesas...

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    4. Olindita, gaja que é gaja nunca fica a falar para o boneco. Ser for para a boneca, aí já outro galo canta...

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  5. A todos os amigos, eu agradeço os comentários.
    Permitam-me uma palavra, ao amigo Paulo Moura, pois fico perplexo com a insistência junto do JF. Muito te agradeço a amizade que é ainda "jovem" e forjada através do nosso amigo comum, Fernando Rafael.
    Tal como tu, também a Farmácia assina o J.F. há vinte anos. Estou a preparar-me, também, para renovar assinatura.Tenho que entender - temos que entender - que a linha editorial do Jornal, não contemple trazer às suas páginas, textos dos seus assinantes. Gosto daquela "família", porque tem qualidade. Como sempre te disse, meu caro Paulo e aqui reafirmo, apenas é minha intenção colaborar com o blogue EG e deste modo conviver através da Net, com os meus amigos.
    Mas não posso deixar de, mais uma vez, te agradecer as diligências. Acredita, que ficaria mais satisfeito por ti, do que por mim. Um texto meu no JF, não seria mais que a minha e homenagem à Beira-Baixa e a todos os que aqueles que ali têm as suas raízes. O mesmo é dizer, também a ti.
    Um abraço a todos

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    1. Quito, não está em causa a decisão/opção do JF de não querer publicar os teus textos. O que me entristece (e é o que lhes tenho dito) é não me responderem. Acho mal.
      Abre laços!

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    2. Prontos não. Ontem voltei a insistir. E, por muito que me custe, se não tiver resposta deles, não renovo mesmo a assinatura. E só eu sei o que isso me dói. Mas quem não sente...

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    3. Meu caro Paulo Moura
      Se na realidade és meu amigo - e sei que o és - peço-te, POR FAVOR, que renoves a assinatura. O " nosso" jornal de eleição, precisa dos seus leitores. Nos momentos difíceis que correm, não vai ser por mim, nem por ti, que o País perde um jornal de ENORME qualidade.
      Por favor - mais uma vez -paga a assinatura. Eu vou fazê-lo nesta semana que entra ...
      Toma lá um abraço, carais !!!

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    4. Quito, um jornal precisa mesmo dos seus leitores. Mas o JF, pelos vistos, deixou de precisar de dar uma resposta a um dos seus leitores. Se acham que não precisam de responder, deixa de ser o "também meu JF".

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    5. Vá lá Paulo, não leves tão a peito este assunto. Há que relativizar as situações. Seria muito penalizante para mim, saber que o JF perdeu um leitor assíduo, por minha causa. E não me venhas dizer, que isto nada tem a ver comigo, porque tem. No cerne da questão, está o facto de tu fazeres questão em ver algo meu publicado e o jornal assim não o entender.Há que respeitar. O jornal tem os seus colaboradores e uma linha de orientação. A nós, cabe apreciar o trabalho que todas as semanas, aqueles profissionais nos oferecem.
      Tenho a certeza que vais reconsiderar. Mais de cinco décadas a assinar um jornal, já não é só um caso de fidelidade. É um caso de amor. E o teu Pai, esteja onde estiver, quererá que mantenhas os laços com um jornal, que, pela sua vertente humanista, merece a nossa atenção e ajuda.
      Os meus escritos apenas interessam aos amigos. Aos que me estimam e eu estimo. Não é relevante para mim, ver os meus textos num espaço mais alargado. O que interessa é que consigamos manter através do blog, uma cadeia de solidariedade entre pessoas de diversas sensibilidades, mas que têm em comum um traço de união fraterna.
      Fico à espera que me venhas dizer que renovaste a assinatura ...
      Um abraço

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    6. Quito, lê os meus lábios (não São os da Rosas, seu malandreco!):
      Ai ó Quito
      já te tenho dito
      que não é bonito
      o JF não me responder

      Ou seja, espero que que fique claro para ti que não tens que te penitenciar com algo que só indirectamente tem a ver contigo. Repito: eles podem achar o que quiserem dos teus textos, e isso é mais que respeitável. Muito menos discuto decisões. O que está em causa, para mim, é que o JF não me respondeu (ainda) ao que lhes perguntei. E é isso que me entristece.
      E podes estar certo de uma coisa: o professor Rogério (o meu Pai), se estivesse a ler-nos (quem me dera...), tenho a certeza absoluta que me diria, com lágrimas nos olhos como eu estou agora: "Fazes bem, meu filho"

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    7. Paulo, quando falei do teu Pai, longe de mim vir acicatar em ti, uma saudade. Como perdi também a minha mãe, percebo o teu pesar. Neste caso, a culpa foi minha, ao invocar, talvez atrevidamente, o nome do teu pai e provocar em ti um momento de recolhimento.
      Compreendo as razões que te movem, em relação a uma atitude que o JF não teve para contigo. As atitudes, porém, ficam com quem as pratica e por isso continuo a pensar, que o marcar uma posição de desagrado perante a direção de um jornal, não passa, necessariamente, por cortar radicalmente relações.
      Prontosssss, cá fico à espera que mandes a "massa" para o Fundão e renoves a assinatura do newspaper ( em inglês, para veres como eu sou um gajo muito culto).
      Desejo-te, a ti e família, um bom domingo.
      Toma lá outro abraço

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    8. Quito, relembrar-me do meu Pai é sempre bom. Só te posso agradecer. Desde quando eu, antes dos seis anos,o acompanhava na ida para a Escola Primária (Masculina) de Caria e ele me chamava (com orgulho mal disfarçado) de «analfabruto»... até quando, já com a doença que o vitimou, me ofereceu a caneta Sheaffer com aparo de ouro que o Jornal do Fundão (lá está) lhe ofereceu na festa dos 25 anos do jornal (António Paulouro fundou o JF em 1946), em que estive presente e em que o JF homenageou os seus correspondentes mais antigos.
      Ah! Não há um corte radical de relações. A assinatura é que... logo se vê...

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    9. Paulo
      Logo se vê ...quer dizer que essa relação duradoura, vai continuar. Fico satisfeito. O teu Pai, passou-te um testemunho. ELE LÁ SABIA que o JF te transmitiria valores, em que ele também se revia.
      O Jornal é uma instituição respeitada por todo o País e além fronteiras.E não é por este episódio, protagonizado por este ou aquele elemento, que se quebra um laço de duradoura fidelidade Os Homens são imperfeitos. Mas o Jornal, pela sua dimensão cultural e corrente de transmissão de VALORES, estará sempre acima de tudo. Assim tenha sempre servidores que mantenham a linha de coerência que fazem deste semanário, um jornal ímpar e que merece ser acarinhado.
      Abraço

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    10. És mesmo Beirão, rapaz! Aperta cá esses ossos, carais!

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  6. Aquilo, que para muitos seria uma simples cadeira vazia, foi para o Quito motivo de uma profunda reflexão sobre as leis da vida.
    E, mais uma vez, joga com a efemeridade do nosso Tempo, como só ele sabe fazer.
    Aquele abraço.

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  7. Quito,
    Tenho por hábito, por respeito ao autor, fazer o meu comentário antes de ler os já publicados.
    Digo que é por respeito ao autor porque evito a influência de outras leituras, tentando manter o fio ligado à origem.
    A minha explicação é devida para que percebas que o comentário que faço ao comentário do nosso amigo Alfredo é posterior ao meu.
    Se assim não fosse, não faria qualquer sentido, nem um nem outro...

    Li, hoje, "Gritos Sem Eco", da autoria do teu amigo Francisco A. Magueijo.
    Não o devolvi ao Fernando Rafael que, na sua militante actividade de carteiro - ou, como ele diz, técnico de distribuição postal - me fez chegar às mãos, porque quero fazê-lo pessoalmente.
    Para te agradecer pessoalmente, como é devido.
    Toma lá mais um abraço.

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    1. Amigo Viana
      Não tens que me dar explicações nenhumas.
      Quanto ao livro do Magueijo, tem a candura de um homem simples. Como certamente reparaste, há muito de vertente religiosa, natural nos povos.
      Se bem viste, naquela pequena cartolina de "marcar" as páginas", está o percurso do autor.
      Breve, sem querer maçar, introduzirei no blogue, outro homem de Juncal, mas noutro registo ...
      Toma lá um abraço

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