segunda-feira, 28 de novembro de 2011

NUMA TARDE DE VERÃO...

Dona de um par de olhos amendoados, doces como mel, e de uma silhueta escultural no viço da juventude, a Telma morava na Rua da Guiné. Quedava-se longo tempo na varanda do 1º andar da sua casa, apoiada nos cotovelos, as mãos no rosto bonito, ligeiramente inclinada para a frente, olhando a rua.
Deixava antever uma nesga do colo alvo, meio encoberto pela blusa de tecido fino, sedoso, que lhe protegia as duas perfeitas colinas dos seus seios, plantadas na planície ondulada do  corpo elegante.
Por entre as frinchas retorcidas dos prumos de ferro forjado da varanda, entreviam-se até aos joelhos, as pernas firmes, que algum artista divino devia ter esculpido e burilado em momento de excepcional inspiração, aconchegadas pela saia que um golpe de vento de vez em quando destapava.
Retribuía com um sorriso disfarçado, os olhares gulosos dos jovens que por ali passavam para a ver.
O João, era de todos o mais afoito. Não resistia aos encantos da Telma e já não conseguia disfarçar a atracção fatal que ela exercia sobre ele. Amiúde circulava por ali, tocando a campainha da bicicleta para lhe chamar a atenção, sorrindo-lhe e acenando um adeus enquanto acelerava rua abaixo.
Numa dessas vezes, sem nunca desviar o olhar da sua amada, montado na veloz bicicleta, galgou o passeio e foi embater fragorosamente no poste de iluminação que ficava em frente à casa dela. Combalido, o João levantou-se, tentou endireitar a roda da frente feita num oito e foi-se afastando a coxear.
Envergonhado, ainda ouviu a Telma dizer-lhe, lá de cima, a rir:
- Já és o terceiro, hoje, que se estampa nesse poste! Mas os outros dois vinham a pé...

Rui Felício

20 comentários:

  1. Os nomes são obviamente fictícios, mas o episódio não!
    Contou-me o Quito quando, num domingo, regressávamos de um almoço no D. Duarte, em direcção ao Samambaia...

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  2. Maravilha. E vai contra um poste também n'a funda São!

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  3. Para já tenho que passar em revista todos os prédios de 1º andar na rua onde morei vários anos!!!
    Enquanto isso vou tomar a bica..
    Depois regresso!

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  4. O nosso Bairro, foi sempre um manancial de estórias e de namoricos. Na Rua "C", morava uma menina que tinha o estatuto de Deusa. Não admira. Era, e é, muito bonita. Um dia, um jovem, perdeu as estribeiras e da pequena Praça, junto da casa dela, gritou em desespero: "Óh Dona S., eu quero casar com a sua filha...". Não casou.Mas também havia outras. A Telma, tinha sardas, olhos azuis e cabelos louros. Impressionava os jovens corações da mocidade masculina, que ia olhando para a janela, na esperança de um sorriso.Era imperativo impressioná-la. E nada como fazer uma curva junto a sua casa de bicicleta, em velocidade estonteante e um sorriso de triunfo, na esperança de que ela, entusiasmada, atirasse à rua o lenço de seda que trazia preso no alvo decote. Diz quem assistiu, que correu mal. O Alves Barbosa do Bairro, já quase com a cabeça virada para a nuca , na esperança de ser contemplado com um sorriso feminino luminoso, errou a trajetória, galgou o passeio e malhou de cabeça contra um candeeiro. A bicicleta foi para os cuidados intensivos, para uma loja de arranjo de velocipedes na Rua do Corvo. A imprecisão deste texto, diz quem me assegurou com fidelidade, foi que o João não ficou só envergonhado.Andou uma semana com os joelhos cheios de mercúrio, parecia o mártir S.Sebastião.
    Naturalmente, que o caso não foi comigo. Mas dou por mim a pensar, como por vezes é ingrato e sofrido o amor ...

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  5. Se o Quito diz que o caso não se passou com ele, devemos acreditar.

    Não é por causa de eu saber que ele por acaso tinha uma bicicleta que duvidarei do que ele diz.

    Nem tão pouco por saber que uma vez mandou consertar a sua bicicleta na Rua do Corvo.

    São coincidências que não permitem levantar suspeitas infundadas...

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  6. Nenhumas suspeitas. Só certezas, carais!

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  7. A mim, o que mais me lixa, é fazerem de mim protagonista desta tragédia Balzaquiana. Depois de longo meditar, cheguei à conclusão que será o autor deste texto, que está agora a fazer a sua catarse de juventude.Ou então o Fernandito Rafael, com sua "Famel-Zuundapp" cor - de - rosa, com que passeava ao pôr - do -sol pelos montes de Cantanhede, a fazer versos aos patos e às rolas, em momentos de grande exaltação intelectual ...

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  8. Por acaso eu não tinha bicicleta. Andava de arco e gancheta...

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  9. Entendam-se! Mas quem não foi, fui eu, que ainda hoje não sei andar de bicicleta!...
    Aliás, não é importante que não tenha sido nenhum de vós, o que importa é que bem poderia ter sido qualquer um de vós!... Ou os 3, um de bicicleta e dois a pé...

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  10. Sejamos justos. De arco e gancheta, um tipo também se pode espalhar.
    Não percebi a tremideira do Alfredo, que veio dizer, todo esbaforido e a assobiar para o lado, "eu até nem sei andar de bicicleta!"
    Se fosse um alentejano a comentar isto, dizia logo: "isto é que vai aqui um açorda !!! " ...

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  11. Atenção que casas com 1º andar na rua da Guiné...nessa época seriam duas ou três!
    E se eu as conhecia bem!!!
    Os postes já existiam!
    Quem tivesse bicicleta, para além do Quito, só o Fernando Pipa...mas era mais para a minha geração!
    Rui Felício a Rua da Guiné pelo que estou a ver é só para despistar, né?
    Devias ter-te lembrado que eu era Guiniense e conhecia bem todas as tabancas!
    E não me consta que a Mariema vivesse por aqui!

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  12. Nada ali é para disfarçar, meu Caro Rafael, salvo os nomes da Telma e do João, que inventei para protecção dos visados.

    Até parece que estou a ver a casa que o Quito me indicou quando me contou a história, mesmo ao fundo da Rua da Guiné ( de quem desce )ou ao princípio ( de quem sobe ).

    De resto, era zona que eu não frequentava muito, sossegado que andava na minha ( e agora tua...) Rua do Infante Santo, donde só saía em expedições esporádicas, rápidas,recatadas e cuidadosas...

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  13. Quantas "telmas" teremos nas nossas memórias?
    Eu,que também não andava de bicicleta nem frequentava os arredores de Coimbra,bati muitas vezes com a cabeça por causa de várias "telmas"...
    Um abraço.

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  14. Pois, memórias da meninice.
    Assiste razão ao Felício, no seu último comentário. A casa é aquela, mas a traça foi depois alterada, de resto como tive a oportunidade de lhe dizer, na altura. O espalhanço foi monumental. Não fiquei em coma. Mas a bicicleta ficou...

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  15. Creio que até agora serei a única mulher a aventurar-me a entrar nos comentários de todos estes meus amigos! Na realidade fico sempre de boca aberta ao ler as descrições dos acontecimentos, felizmente quase sempre bons e engraçados, alguns atribulados, outros talvez imaginados..., que se passavam no então Bº Marechal Carmona!Mas, tudo o que eu leio sobre a quantidade de lindas, puras,prendadas e perfeitas donzelas, que por lá proliferavam,deixam-me a pensar, que tentação e maravilhoso seria para os meus queridos amigos, que eu cada dia vou conhecendo melhor, viverem nesse abençoado Bairro.....e é então aqui, que eu começo a pensar, que além das maravilhas acima descritas, também de lá sairam, inteligentes, sonhadoras, românticas , "loucas" e imaginativas cabeças.....como as vossas, meus amigos!!!!!! Gostei do texto, mas achei piada aos comentários! Abreijos para todos, como diria um querido amigo meu, que já não está entre nós.

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  16. Não ter bicicleta, neste caso, não absolve ninguém.
    Parece que se esqueceram dos "outros", daqueles pobres coitados que, mesmo sem bicicleta, se "espalhavam" contra o poste.
    A crónica diz que a linda Telma galhofou do alto da sua varanda:
    " - Já és o terceiro, hoje, que se estampa nesse poste! Mas os outros dois vinham a pé..."
    Um, o da bicicleta, já percebemos quem era. Outro ia de arco e gancheta e também está identificado.
    Só nos falta saber quem foi o terceiro que, deslumbrado pela beleza da Telma, esbarrou contra o poste.
    Fica por esclarecer este mistério mas apenas este!
    Poderíamos que é o terceiro mistério da Telma...

    Abraçom aos dois identificados sinistrados.

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  17. Está mesmo a ver-se que o menino Deus andava embeiçado pela Deusa!
    Coitado, também foi castigado injustamente pois o amor é cego, todos sabemos.

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  18. O amor é cego mas dava jeito que usasse bengala.

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  19. Lá consegui pé ante pé, localizar mais ou menos o tal 1º andar ...
    Mas não consigo lembrar-me da causadora de tantos sinistros...
    Mas gostei e muito de todos os comentários, o que prova que a postagem do Rui Felício despertou muita curiosidade!
    Aliás, com é costume sempre que nos previlegia com os seus textos!

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  20. Da Telma não me lembro nem de outra que por aquelas paragens existisse.
    Mas que naquele tempo de "menina à janela" e em que dava um trabalho dos diabos, de largos meses, até haver coragem para dar p.e. o primeiro beijo...nesse tempo, como galo de plumas relusentes, todas as abordagens eram possiveis... até fazer "avarias" de bicicleta.
    Mas para que não fiquem dúvidas, comigo não foi, ponto.

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