terça-feira, 13 de setembro de 2011

ZÉ FEIJÃO


Criava porcos numa pequena courela que tinha ao pé da Quinta das Flores.
Levantava-se da enxerga onde dormia, no seu casebre de madeira, antes do sol despontar, ia despejando a lavagem dos baldes para dentro das pocilgas, e ficava a olhar os focinhos cor de rosa a chafurdar nos restos da comida que no dia anterior tinha andado a recolher nalguns restaurantes do Calhabé.
Ao fim da manhã, ao chamamento dos grunhidos dos animais, acorria a dar-lhes umas mãos cheias de farinha e enchia de água os bebedouros de pedra. Ao entardecer dava-lhes couves e mais restos de comida. Depois ia fazer a ronda pelos restaurantes para a recolha das lavagens.
Regressava já de noite ajoujado ao peso de duas grandes latas cheias de comida que equilibrava penduradas nas pontas de um grosso cajado que enganchava nos braços e assentava nas espáduas.
Certa noite, desabafou com o dono do restaurante Marbran, à Fonte da Cheira, queixando-se da sua vida rotineira, sem perspectivas, sem alegrias.

- Casa-te! Precisas de te casar, homem...
- Com quem?!, perguntou admirado o Zé Feijão...
- Ora, com quem. Com uma mulher, é claro!
- Homessa! Nenhuma me há-de querer...
- Tens que fazer por isso. Elas não vêm ter contigo, ora essa!

A partir desse dia o Zé Feijão começou a olhar para as raparigas das vizinhanças. Uma a seguir a outra iam recusando os seus pedidos de casamento. Riam-se da sua fealdade, chegavam a humilhá-lo com dichotes.
- Cheiras mal, diziam-lhe por entre gargalhadas sardónicas.
Não houve mulher nova, velha, feia, bonita, gorda ou magra que acedesse aos seus intentos.
Descoroçoado, cabisbaixo, no domingo da inauguração da nova Igreja de S. José, foi assistir à grande cerimónia.
Não se conteve quando viu aquele deslumbrante vestido vermelho a adejar  na igreja, por entre a multidão de olhares que nele se concentravam.
 Encheu-se de coragem e assomou à coxia:
-  Quer casar comigo? Tenho um terreno na Quinta das Flores e crio porcos!
- Como posso eu casar contigo? Sou Bispo, fiz voto de celibatário...

Rui Felício

7 comentários:

  1. O Rui Felício, desta vez, fez uma incursão pelo passado do nosso bairro. Lembro aquela idosa, que recolhia os restos de comida e a quem nós, pomposamente, chamávamos a Senhora Maria da Lavagem. Da lavagem dos porcos, entenda-se.
    E este foi o mote para o conto do Zé Feijão.
    Um diálogo escorreito, polvilhado de bom humor.
    Um final arrasador de comicidade. Dei uma gargalhada. E quando assim é, percebe-se que o narrador acertou em cheio e que o texto proposto atingiu os seus objectivos ...
    Parabéns, Rui.

    ResponderEliminar
  2. O Bispo perdeu uma óptima oportunidade para ser feliz.
    E eu ganhei uma excelente oportunidade para publicar n'a funda São mais um dos «contos Felícios».

    ResponderEliminar
  3. Na verdade, a personagem é um dois em um.
    Por um lado, há traços da figura a que o Quito alude, a quem chamávamos a Senhora Maria da Lavagem ou, mais prosaicamente, a Porqueira.
    Por outro lado, e como para atingir o final que idealizei, a personagem teria de ser masculina, misturei-lhe o perfil do Zé Feijão sobre quem, anteriormente, já tinha contado um outro episódio que, na altura intitulei “Agonia em Frente ao Greco”.

    ResponderEliminar
  4. Mais um texto com nível.
    Gostei.
    Tonito.

    ResponderEliminar
  5. Este final...só ao Diabo lembraria!
    Na nossa rua lá para os teus lados vivia a Aurora porqueira.Penso que não terá relação com esta Ti Maria da Lavagem!
    Na mesma casa vivem lá a filha e um neto.
    Mas a estória está gira!

    ResponderEliminar
  6. O Rui já hoje me fez rir sozinha por mais de uma vez...daqui a pouco, aparecem os homens da casa para me levarem para Rilhafoles, cuidam que estou (mais) doida...

    A minha casa, ia buscar a lavagem a Sra.Norvinda, que morava para a Fonte da Cheira, na ruela por detrás de uma padaria que, segundo creio, ainda hoje existe...Pelos vistos, havia muita gente a criar porcos pelas bandas do bairro!

    ResponderEliminar
  7. O Zé Feijão era mesmo atrevido!
    Porque tinha um terreno na Quinta das Flores e criava porcos, achava-se no direito de querer casar com um Bispo.
    Valeu-lhe que o Bispo - apesar de tudo, homem - havia feito voto de celibato.
    E foi assim que o Zé Feijão se salvou de um casamento destinado ao insucesso...

    Mais um conto "à Rui Felício"...

    ResponderEliminar