sábado, 24 de setembro de 2011

BIBLIOTECA ENCONTRO DE GERAÇÕES



CONTOS
da
Daisy


JOÃO - TUDO

                       Subiu à árvore e poisou num galho. Baloiçou as pernas, lentamente E como tudo lhe agradasse, resolveu não parar. Havia  de  estar ali  sempre, escondido  nas  folhas.  Os  sapatos ameaçavam cair-lhe. Parou, então, o vaivem das pernas, e puxou-as  até  si, ora  uma  ora outra, encostando   a   boca   ao   joelho:   atou   o que sobrava da lona aos tornozelos bem salientes; e baloiçou de novo. Baloiçou.
        Ainda há bem pouco tempo, quando  via  os tipos  da  alta, filhos  de  outros  tipos  da  alta  e filhos de outros ainda, a voarem  nos baloiços, ficava-se a  olhar para eles, invejoso, atirava-lhes pedras e desandava, a bater com os calcanhares no traseiro; depois, ia  pendurar-se nas  árvores, a  gingar, a  gingar, como  o estava a fazer agora…
          Depois,  veio  aquele  gajo  de  chapéu preto. Agarrou nele, meteu-o num carro preto   como o chapéu e  levou-o lá para longe. Onde não havia outros miúdos que não os  da alta. Onde não  havia árvores nas ruas, mas também  não  se  viam  baloiços. Mas  havia  lá  dentro!...   Dentro da  casa grande-grande!  Arre, que luxo!  Eh, pá, ele nunca vira!... O gajo disse-lhe que era pai dele  e não sei  que  mais,  que  a mãe não sei-o-quê, e…havia baloiços. Havia um comboio eléctrico para brincar. Havia uma velha que se agarrou a ele, que lhe lambuzou a cara com beijos e que lhe chamou “meu menino” ou “meu netinho” ou “ meu-não-sei-quê-inho”… Pois. Mas  aquilo era tudo engodo. A ele não o enganavam. Não.
        Durante duas semanas, deram-lhes doces e ele encheu a barriga até não poder mais.Obrigaram a meter-se na banheira todos os dias. A velha, mesmo, queria ir lavá-lo, que ele era pequeno, e o diabo a sete…
- o raio da velha!... -, Mas  isso  ainda não foi  o pior. Até era giro:metia-se naquela coisa e começava a chapinhar, com os pés e  com  as  mãos, até a banheira só ter um charquinho no fundo; depois, saía e limpava-se  a  uma toalha grande-como-burro. A  velha perfumava-o, de  longe,  que  no pêlo dele ela não tocaria, não! O pior, foi depois.
                Um dia, o gajo-do-chapéu-preto, que ele poucas vezes mais vira, tornou  a  agarrar  nele  e a  levá-lo  para  outro  sítio.  E, então, ali  é  que estavam os tipos todos da alta, que ele conhecia pelas caras-de–fuinhas e pelas pernas ao léu, como as raparigas. Uma velha,  ainda  mais velha que a do “inho”, tentou passar-lhe  a  mão pela cabeça – o raio das velhas!...- , e começou com falinhas   mansas. O gajo-do-chapéu-preto, foi-se embora e ele ficou com aquela malta. Vieram depois  outras  velhas  e  mais velhos. Obrigaram-no a estar numa sala fechada, o dia inteiro, e queriam ensinar-lhe  não – sei-o- quê  e  mais  inglês e  mais  francês  e mais o diabo a sete. Raios! Pôs-se a milhas.
            Começou a andar e a fugir do estupor daquele sítio, onde não havia árvores  nem  baloiços  nas  ruas  nem pedras   que ele  pudesse atirar aos miúdos da alta.
              Agora, não sabia onde estava. O carro do gajo-do-chapéu-ptreto, levara-o para tão longe que já não encontrava as mulheres que lhe davam comida  que  ele  levava  prá  ti Ana. Nem  havia  Ti Ana. Aquela  ti Ana  era boazinha!...  Pois. Mas  havia  um  baloiço, lá  adiante, com  outros tipos da alta e as criadas a namorarem os magalas. E havia árvores.
        Baloiçou as pernas. Baloiçou. Talvez aquela velha, além, fosse como a ti Ana e precisasse de um miúdo que fosse pedir para ela…
        - Eh, tiazinha!...

15 de Fevereiro de 1973

4 comentários:

  1. Haverá sempre uma Ti'Ana!
    Por mais voltas que mundo dê...

    E a Daisy que há tantos anos escreveu este conto, será a minha testemunha!

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  2. Os contos da Daisy deixam-me sempre um sabor de agro-doce.
    Talvez por isso, os saboreio lendo e relendo.
    Maravilha! - sem mais comentários.

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  3. Apetece-me, tão só, subscrever o comentário do Carlos Viana - nem mais nem menos!

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