quinta-feira, 30 de junho de 2011

O SUSPIRO DOS DIAS TERNOS ...

... antigo forno em Juncal do Campo ...
(foto de Daisy Vieira)
Partiu a Primavera. E, com ela, o doce regaço dos dias ternos. Neste lugar de solidão, o sol impiedoso tombou sobre as montanhas. É o começo do Verão. O proclamar das alvoradas claras. E das tardes abrasadoras. Daqui, deste vale onde o Tempo se espreguiça devagar, só vislumbro a paisagem desmaiada. Na beira do caminho, apenas as estevas com o seu cheiro característico. Ao longe, os campos negros e ressequidos. É o clamor da Natureza, em sofrimento. Mas há vida, neste manto de terra áspera e adormecida. Ao redor da aldeia, as hortas de subsistência, da população envelhecida. Eles e elas, de roupas negras, cirandam à volta dos poços de água, como formigas laboriosas. Ao lado, a carroça onde regressam ao lar, com as alfaias e os legumes. Também o burro, paciente e estático, como se fosse uma sentinela do Tempo. Depois, partir, que o calor aconselha a sombra acolhedora. Pelas praças e vielas, apenas o vazio e o silêncio. Um gato cinzento, olha-nos da porta de madeira da casa humilde. E, lá dentro, uma mulher de negro vestida, sentada num pequeno tropeço de cortiça, vai espiando os movimentos da rua estreita. Quando a tarde descer sobre o vale e o sol sucumbir, afundado na silhueta austera das montanhas, o sino da igreja tocará. É o estremecer dos silêncios vertidos no ocaso do Tempo. E aí, a povoação ganha novo alento. É a reconciliação do povo, com o Verão quente que lhe tolhe os arrastados passos. Dentro do Templo, cantam-se hossanas em Honra do Senhor. O padre, baixo e atarracado, vai rezando a Sua ladainha. Repetida vezes sem conta. E os crentes ouvem, concentrados naquela liturgia secular. De joelhos no chão e cabeça curvada contra o peito, agradecem a generosidade da campina. Afinal, as Contas de um rosário que vão desfiando num murmúrio colectivo. Uma ode, de olhos postos no granito que Lhes endureceu a vida. Um sofrido louvor à sobrevivência.
Q.P.

20 comentários:

  1. Mais um texto para saborear,Quito.
    Recordaste-me uma palavra que,há vários anos,não lia nem ouvia:'tropeço".
    Tanto aqui,como na aldeia,continuamos a utilizar os velhos tropeços de cortiça.
    Não faço ideia que idade terao.Já vieram de casa de meus avós maternos.
    Já não lhes chamamos tropeço.
    Agora,no Inverno,à volta da lareira,sentamo-nos nos "banquinhos de cortiça".
    Neste tempo de verão,ainda utilizamos dois na cozinha.Os outros estão arrumados no barracão da lenha e reaparecem no inverno.
    Um abraço.

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  2. Caro Rui Lucas
    Os tropeços, são de facto pequenos bancos de cortiça, muito usados nas aldeias. Aqui, na Beira Baixa, ainda há artesãos que os fabricam e de vários tamanhos. No Inverno são óptimos para se fazer uma "sociedade" à volta da lareira. Com a lenha a estalar, o velho cão deitado aos nossos pés e o pequeno copo da jeropiga a rodar de mão em mão. Ou o vinho espesso com o chouriço a assar nas brasas.Os pequenos prazeres da vida.
    Obrigado pela teu comentário, afinal um complemento ao que foi escrito.
    Abraço

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  3. Saboroso, diria eu!!! Mais um belo texto made in Quito!!!
    E também o "tropeço"...me fez recordar o Alentejo, onde poucos anos apóa o regresso de África, a avó de um "camarada d´armas"" alentejano, me ofereceu, à lareira e sentado num tropeço um café feito na "chicolateira" de barro negro! E já agora...aqui vai mais uma achega acerca dos ditos!

    "Os tropeços ainda hoje são muito utilizados no Alentejo para as pessoas se sentarem. São uma espécie de bancos feitos com pedaços de cortiça do mesmo tamanho. Além de serem leves, são quentes, o ideal para nos sentarmos à lareira num dia frio de Inverno. Nos mesmos, antigamente e para ficarem bem feitos não eram utilizados pregos para ligar a cortiça porque estes enferrujam com a humidade e a cortiça deteriora-se com mais facilidade. Eram moldados paus, com uma extremidade bicuda, para melhor se infiltrar na cortiça, utilizando xara, planta abundante nas nossas matas e eram estes paus que serviam de pregos tornando o tropeço mais duradouro."

    Grande abraço Quito.

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  4. Tal como o Rui Lucas, também és mestre na matéria, Leitão !!! Por aqui, os tropeços são feitos com placas de cortiça sobrepostas. São muito leves e duradouros. Feitos com grande perfeição...

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  5. Eu cá vou tropeçando nesta cultura que felizmente
    não anda esparralhada por aí.
    Tonito.

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  6. Verifiquei que a cortiça é unida por uns paus.
    Os tropeços que tenho vieram de São Gião,mas desconheço como lá foram parar.
    De qualquer modo,é bom passar por aqui.
    Estamos sempre a aprender.
    Um abraço a todos.

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  7. Como sempre foi mais um texto que li com bastante agrado!
    Bem romanceado esta passagem da Primavera para o verão!
    O verão com seu calor tórrido não é fácil!E eu que o diga!Para mim o Verão é um autêntico martírio!
    Não sabia que aos bancos de cortiça chamavam "tropeço"
    para as minhas bandas estes bancos não existiam.
    Mas quando fomos pelas janeiras a tua casa, lá cantamos:
    "Levante-se daí minha senhora
    Desse banquinho de cortiça
    Venha-nos dar as Janeiras
    Ou morcela ou chouriça"


    Com Tropeço não rima!

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  8. E o povo, o mais humilde, lá vai desfiando as contas do seu rosário sob o olhar atento e carinhoso do Quito.
    Mais um belo texto para a colectânea que, depois de vencida a tua modéstia, deverás compilar.
    Aquele abraço.

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  9. Foto de Daisy Vieira? Grande aldrabice!
    Ela ainda ontem estava no deserto de Utah, como pode já estar hoje em Juncal de Campo?
    Fantasias de Romancista...

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  10. Estou no controlo!
    O Quito devia escrever foto de arquivo!
    Mas quê sua excelência a esta hora já está arquivado em vale de lençóis!
    Tem que se arquivar cedo...pois o GALO em Salgueiral não perdoa.
    Não é como no prédio do amaricano...que não tem galo...mas tem cadela que só acorda há mesma hora do dono! Para almoço!

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  11. Estás a cantar de galo porque percebeste que entrei ao serviço muito tarde...
    Deixa o Quito repousar um pouco. Logo, ao nascer da aurora, lá estará ele a trabalhar para o "boneco".
    Tanto quanto sei, é daqueles que não vê um chavo de ajudas de cuspo.

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  12. E agora ainda vou cortar, por imposição governamental(o sacrifício é igual para todos), 50% das ajudas de cus(t)po do Natal!
    Agora é que é caso para dizer
    É Natal, é Natal
    Se não é....
    .........é!

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  13. Logo à tarde vou ao coelho empenhar as osgas.
    Já não haverá moscos no Natal.
    Descobri que o tropeço também dá para me sentar com o computador nos joelhos.
    Boas Festas a todos.

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  14. Já agora podias dizer das tuas intenções de aplicar a nova receita do Utilizador/Pagador.
    Pubicação de:
    Cada post ( sem cores ) € 2,00
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    Cada comentário € 0,10

    Espero não ter revelado nada que não quisesses revelar. Como não me pediste confidencialidade...

    E agora vou passear a cadela.
    Até amanhã.

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  15. A tabela até me parece justa(sem IVA).
    Além das osgas,também vou empenhar os gatos...
    Mas a vida é injusta:o Viana passeia a cadela nos espaços públicos e manda bocas,tipo carraça para benfica!

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  16. A Tabela até nem está má!
    Mas como tenho que passar recibo, tenho que acrescentar o IVA!

    Estão dispensados os dois, por hoje.

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  17. A vida é uma sucessão de ciclos. Nunca repetidos, sempre diferentes.
    Só quem sabe usar a linguagem do Povo, só quem é capaz de lhes entender os sentimentos, é capaz de transmitir essas diferenças.
    Porque as palavras que o Povo usa são as que melhor espelham com exactidão o que nos quer dizer.
    O escritor que apreende esse sentir, deve usar essas palavras. Sem enciclopedismos de petulante literacia.
    E nisso o Quito é mestre...
    É por isso que a sua escrita nos leva ao âmago das suas descrições como se as estivessemos a presenciar.

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  18. O Quito escreve bem! Já o disse e repito!... Mas neste caso, convenhamos que a fotografia da Daisy também ajudou muito na inspiração da escrita!...

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  19. Amigos Daisy e Alfredo
    Foi com imenso gosto que vos recebemos nestas terras da Beira - Baixa. Que a Daisy tira belíssimas fotos, todos sabemos. E de facto tirou fotos magníficas, que depois nos enviou. Um bom regresso a casa é o que vos desejamos ...

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