sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

FANTASIA

Parecia adormecido...
Só o cadenciado ondular traía a sua calma e denunciava a imensidão.
Embalado pelo som surdo das ondas a desfazerem-se na praia, ali fiquei, sentado na areia húmida, a olhar a linha do horizonte, onde se fundiam os azuis do céu e do mar.
Sem querer, recordei as vezes que ali passeei com a minha filha, de mãos dadas. Éramos cúmplices daquele ambiente mágico, daquela lonjura ao nosso alcance.
Por vezes nadávamos, lado a lado, ao longo da linha da praia, entre as rochas que a delimitavam a norte e a sul.
Foi numa dessas vezes que tudo aconteceu.
A dado momento, enquanto nadávamos em direcção às rochas, algo me chamou a atenção.
Pareceu-me a cauda reluzente de um grande peixe dourado. Preocupado, esperei pela minha filha que nadava atrás de mim. Acenou-me com a cabeça de que também vira o mesmo que eu.
Mantivemo-nos à tona, com lentos movimentos dos braços e das pernas, observando, atentos, o local onde tínhamos visto a bela cauda do peixe.
De repente, entre o susto e a estupefacção, vimos uma coisa que jamais imagináramos poder existir naquelas águas.
Emergindo do mar, surgiu uma bela mulher, de longos e anelados cabelos dourados, que nos deixava ver um corpo escultural.
Os seus olhos amendoados, cor de mar, meigos, melancólicos, hipnotizavam-nos. Era impossível deixar de sentir aquele olhar trespassar-nos a retina e mergulhar no mais fundo do nosso ser, acelerando-nos o coração, que doía doce...
Dos seus lábios carnudos e bem desenhados, saía um som melodioso, suave, um quase choro, que nos arrepiava os sentidos...

Era com certeza uma sereia. Afinal existiam!
Por instantes, ela ficou ali a fitar-nos num movimento suave , síncrono, até que mergulhou e desapareceu nas profundezas...
Ainda esperámos algum tempo, na expectativa do seu reaparecimento. Mas, até hoje, nunca mais foi vista...
-Filha, guardas um segredo? – perguntei...
Meio confusa, meio aturdida, respondeu-me que sim...
Disse-lhe que aquela visão, seria o nosso segredo. Ocorreu-me justificar-lhe o pedido, fantasiando e dizendo-lhe que as sereias não aparecem a todos, e que, se aquela tinha resolvido aparecer-nos é porque confiara em nós, é porque nos achava pessoas de bem, pessoas especiais...
Sublinhei que o olhar da sereia mostrou que tinha confiança em nós. Acreditou que nós saberíamos manter o segredo que lhe permitisse continuar a sua vida no paraíso do fundo do mar, sem ser incomodada pela multidão de curiosos e incrédulos que acabariam por devassar a sua privacidade, se divulgássemos o que tinhamos visto.
Sei que a minha filha, passados tantos anos nunca quebrou a sua promessa de manter intacto o nosso segredo.
E eu, também não estou a quebrá-lo, porque não vos vou dizer em que praia é que isto aconteceu...

14 comentários:

  1. Desculpem-me o irrealismo. Para mim, a vida também é fantasia...

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  2. Rui Felício

    E que linda fantasia. Que lindos momentos me deste. Até vai ser uma manhã diferente. Um abraço.

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  3. A fantasia, pode ser o bálsamo dos dias agrestes. Uma forma de adoçar a realidade desta vida, cada vez mais previsível. Nem que seja por momentos, apetece fechar os olhos, e vogar ao sabor das ondas de um verão refrescante. O texto, transporta-nos a um mundo irreal. Afinal uma fantasia bem elaborada, que nos permite, por minutos, desligar da realidade terrena, e navegar no dorso de uma bela sereia, na rota de um oceano sem fim ..

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  4. Os nossos olhos só veem o que queremos ver…, e a miragem que se tornou realidade na materialização da lenda, foi bem aproveitada no aprofundamento das cumplicidades que são a argamassa da amizade e do amor.

    Felício, a tua imaginação continua a voar nesse espaço sem limites em que o virtual anda de braço dado com a realidade. Para deleite dos teus amigos, que esse pássaro que te transporta em voos infindos continue a voar bem alto.

    Continua a ir a praia, sempre poderá surgir alguma sereia cavalgando uma prancha e rompendo a onda ainda que pelo espaço breve dum momento…

    Um abraço
    Abílio

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  5. Não acredito que haja vida sem uma pitada de fantasia.
    Obrigado.
    Um abraço.

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  6. Eu não acredito em sereias mas, rendendo-me a este testemunho, tenho de reconhecer que as há!

    Desta feita, Rui Felício bem nos previne que nos traz uma fantasia. Fantasiando ou não, vai-nos envolvendo na sua própria fantasia de tal forma que todos conseguimos visionar a sua bela sereia de lábios carnudos e bem desenhados.

    A partilha do seu segredo com a filha, numa cumplicidade deliciosa, é sublime.

    Parabéns, o que te posso dizer mais?
    Aquele abraço.

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  7. Uma estória de encantar, uma estória de sereias, uma delícia para contar a uma menina, à nossa princesa!
    ...e adormeceu calma e serena, vivendo uma cumplicidade, até hoje!

    Linda fantasia, mas li-a como verdadeira.

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  8. Rui, se todas as fantasias fossem como esta, estava bem o mundo...
    Vai ler o editorial da directora do Destak, de seu nome Isabel Stilwell e verás o que é viver num mundo de faz de conta...
    Gostei da tua sereia, acalmou-me!

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  9. Fazes muito bem em não dizer! Se isso me acontecesse a mim, eu também não dizia!...
    História gira!

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  10. Sublime! Como escreve e bem o Carlos Viana!

    Mas...Rui! ?Na Irlanda, a maioria das lendas sobre sereias contam que elas são seres que atraem homens com seu canto e depois os devoram....
    Fosca-se!!! como diria a Olinda Linda!!!!

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  11. Isso é na Irlanda. Na Ericeira as sereias são muito menos vorazes. Digo eu...

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  12. Gostei, e Pronto!
    Só cheguei agora( tenho de andar a tratar da vossa vidinha) e agora esta malta já disse o que gostaria de escrever!
    E como gosto de fantasias, Gostei!

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  13. Ando a frequentar as praias erradas!
    (mas este texto vai frequentar a praia d'a funda São)

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