quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CRÓNICA DE VERÃO

Praia de Dona Ana - Lagos
Não há memória de um tempo assim. Aqui por Lagos, o Sol assentou arraiais e a água tépida faz o consolo dos turistas. Também - diz quem sabe - nunca tanta gente aportou a esta cidade do barlavento algarvio. E no Sábado à noite – dia do banho do 29 – a cidade ficou intransitável.
Eu que o diga. Fiado nas minhas experiência anteriores, desci até à baixa de Lagos, para ver o habitual fogo de artifício. Depressa me arrependi. Logo que estoirou o último foguete, a multidão açambarcou a avenida toda e dirigiu-se no meu sentido. Era uma parede humana com muitos metros de frente. Só tive tempo de me encostar a um muro. Passaram por mim como um rolo compressor e quase vacilei com a deslocação de ar. Àquela hora, estava o Zé Manel no “Mimo”, cercado de veraneantes por todo o lado. A Ermelinda, sua dedicada companheira, tinha ido exibir os seus dotes de doceira de eleição para a feira dos doces de Bensafrim, e o bom do Zé ficou sozinho e indefeso.”…tu nem sabes o que foi isto Quito, vi-me aqui negro com tanta gente …olha entraram de enxurrada, levaram-me as cadeiras para a esplanada e fiquei com o “café” sem mobília…e os tipos lá fora sentados nas mesas e nos passeios a comer e a beber …muitos nem pagaram, foram-se embora …foi a vizinha aqui do lado que teve pena de mim e veio lavar-me os copos e as colheres, pois eu já nem loiça tinha…” E entre mais duas imperiais e uns amendoins, foi alimentando a conversa. Percebi que estava nervoso e convidei-o para uma volta pela cidade. Aceitou sem contestação, e deixou o balcão entregue a uma familiar. Descemos então a estreita rua Infante de Sagres, e desembocamos junto da estátua de Dom Sebastião. Convida-me para mais uma cerveja num vão de escada de aspecto manhoso. E foi ali, junto ao balcão que fizemos um brinde à nossa saúde. Entretanto toca o telemóvel. Reconheci do lado de lá a voz cordata do Felício. Estava preocupado com a minha ausência do blogue e decidiu telefonar. Sosseguei-o e disse-lhe que estava tudo bem. Desligámos. Virei-me então para o Zé Manel e expliquei-lhe o sentido da palavra amizade, tão presente na atitude daquele amigo. E foi então que percebi na cara do meu comparsa de passeio que ele estava azedo. “…foste roubado – disse-me - um euro e setenta por um fino é um roubo…imagina ..eu nunca hei-de ser rico, pois no “Mimo” o cliente só paga um euro por uma imperial… !!!”. Subimos de novo a Infante de Sagres. O bom do Zé continua a olhar para o talão das cervejas, até que me diz repentinamente: “… oh pá, olha que monumento de mulher que vem ali.. !!!” . Fico perplexo e digo-lhe: “… mas tu estás a olhar para o papel ou para a miúda..”? “A resposta é fulminante: “…para as duas coisas…”. Continuamos a subir a estreita calçada. Deparo-me então com a Rua da Amendoeira, e nome de Arminda Correia inscrito numa placa chama-me a atenção. Depois a indicação do nascimento da cantora lírica. Mais precisamente em 19O3.E do seu falecimento, 1988. Por Portugal, França e Inglaterra deu azo à sua arte. Tinha uma excelente dicção e um belo timbre de voz, dizem os entendidos do Belo Canto. Actuou por diversas vezes no Teatro São Carlos e Dona Maria II. Curiosamente, foi professora no antigo Liceu Feminino de Coimbra. E no “Mimo” terminámos a caminhada e me despedi do Zé Manel. Insistiu noutra cerveja, que eu já não bebi. Ele lá ficou, até às duas da madrugada, sentado a uma mesa, rezando para que não lhe entrasse pela casa adentro outra avalancha de zaragateiros …
Quito Pereira

4 comentários:

  1. A tua crónica foi um "MIMO"
    Gostas mesmo de Lagos e dos teus amigos que tens por aí!
    O Rui Felício não te deixa pôr opé em ramo verde!
    Toma atenção!

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  2. Boa crónica de férias em Lagos, uma das tuas paixões, que sempre acompanhas de braço dado com gente humilde mas que sabe ser amiga.

    Um abraço
    Abílio

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  3. Saúdo o teu regresso, Quito. Mesmo de férias, não podemos deixar que ponhas o pé em ramo verde!

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  4. Não, não, ele põe o pé na Dona Ana!

    Umas férias transparentes e cheias de sentimentos.

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